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"Fake News" e a Cultura do Cancelamento - Festival de música 2020!

Gio.História | Publicado qui Set 24, 2020 4:05 pm | 535 Vistos

 

Eu pensei te dizer tanta coisa.

Mas pra que

Se eu tenho a música... 

(ROUPA NOVA – BEM SIMPLES)

A música é um fenômeno universal, que está presente na história de todos os povos e civilizações. No nosso país, a música já era utilizada pelos povos nativos e com a chegada dos jesuítas, a música ganha um caráter pedagógico, sendo utilizado na formação religiosa dos povos catequizados. Na década de 30 o ensino da música ganha força com a sistemização do ensino Orfeônico orientado pelo maestro Heitor Vila Lobo que valorizava os aspectos cívicos e nacionais de acordo com o projeto de nação instituído durante a Era Vargas. Até meados da década de 60 a Educação Musical era garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.

Na contemporaneidade muitos estudos já comprovaram a importância do uso da música como ferramenta didática nas escolas. Segundo Moreira (2014) a música “oferece o auxílio ideal para o desenvolvimento psíquico e emocional de crianças e jovens”. No atual momento em que estamos vivendo, em que o mundo precisa da cooperação máxima para enfrentar o Coronavírus, a música se tornou uma aliada em tempos de isolamento social. Das sacadas dos prédios, muitos moradores adotaram a atitude de tocar e cantar músicas e as lives dos cantores e bandas na internet entretém milhões de pessoas que não podem sair de suas casas. Dessa forma, notamos que a música tem ajudado as pessoas a superarem com mais força esse período tão difícil, e isso não é algo incomum, pois conforme relatório da Secretaria de Educação (2000) “a música sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época”.

Vivemos hoje em uma sociedade imediatista, de fato temos que concordar caro leitor, o mundo não é mais o mesmo. As constantes transformações técnico-científicas no campo tecnológico, social e cultural fizeram com que tudo mude a toda hora e o contato com novas informações instantâneas levaram a sociedade contemporânea a uma fase de constantes transformações, o que acarretaram em crises ou rompimentos na forma como se pensava anteriormente.

No mundo contemporâneo as informações são rapidamente processadas e a necessidade do novo é cada vez mais emergente. Numa sociedade em que o novo vira obsoleto em questões de segundos, uma pessoa pode ser “cancelada virtualmente” e vê tudo o que conseguiu conquistar acabar com um simples click, aliás, quantas vezes nós mesmo não já sofremos com o préjulgamento? Na rede qualquer vacilo pode ser fatal e as críticas e fakenews podem arruinar uma reputação. Aliás, você já parou pra pensar quantas vezes compartilhamos algo sem checar a veracidade dos fatos, contribuindo para a disseminação de informações inverídicas?

O site CanalTech chama atenção para uma prática que vem ganhando força entre as pessoas atualmente que é a “cultura do cancelamento”. Inicialmente essa prática buscava punir pessoas anônimas ou famosas, marcas, empresas, autoridades que cometessem algum erro ou que sejam “contra a ideia de desconstrução social e tem dentro de si ideais enjaulados que parecem nunca ter acesso à modernização”.

Há quem faça comentários desnecessários na internet propositalmente, seja para chamar a atenção ou por querer manifestar seus pensamentos, na maioria das vezes o “cancelamento” se dá por um posicionamento racista, sexista ou xenofóbico por exemplo.

Quem sofre o “cancelamento” é excluído da sociedade para determinada pessoa ou grupo, deixando de existir na vida delas e não permitindo que elas sigam suas vidas sem a devida punição. Atualmente, a cultura do cancelamento tem gerado amplos debates, pois se por um lado ela pode ser considerada uma forma de se buscar justiça, por outro ela também alimenta um “tribunal da internet” ávido em fazer críticas constantes sobre o que eles julgam como certo ou errado, seja mostrando o rosto ou atrás de perfis falsos.

De acordo com o Dicionário Collins fake news pode ser entendido como uma notícia que chama atenção (viraliza) caracterizada pela desinformação, pelo boato e pelo exagero, difundida principalmente nas redes sociais. A propagação de fakes news além de causar a desinformação da sociedade acaba trazendo consequências irreparáveis na vida das pessoas. Existem casos de pessoas que perderam a vida ou que foram presas devido a informações que não eram verdadeiras.

No mundo da música, há muitos casos de cancelamento de artistas e fake news, antes mesmo deste termo existir. Segundo levantamento da coluna Pop & Arte do site G1 o nome mais óbvio para encabeçar a lista de pessoas que foram vítimas de cancelamentos foi Wilson Simonal. O cantor carioca fez sucesso no final dos anos 50 até 70 cantando músicas como "Nem Vem Que Não Tem" e “Meu limão, meu limoeiro.” Um dos representantes da Bossa Nova, Simonal arrastava multidões levando mais de 30 mil pessoas a cantarem a música “Meu limão, meu limoeiro” no Rio de Janeiro. Na década de 70 toda a fama do cantor veio por água abaixo após ser acusado de delatar colegas da cena artística para a Ditadura Militar. Simonal foi sumariamente "cancelado" pela mídia e pela classe artística, mesmo demonstrado por meio de um habeas data, que nunca delatou nenhum artista.

Condenado ao ostracismo, Simonal morreu de cirrose aos 62 anos em 2000. Ele dizia em entrevistas: “Sou o único homem a não ter sido anistiado no Brasil”. Até os dias de hoje os filhos de Simonal busca resgatar o legado do pai.

Outro artista que sofreu com o cancelamento foi Gilberto Gil, representante da MPB e compositor da canção “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, “Aquele Abraço” entre outros sucessos. No entanto, o “cancelamento” do cantor se deu pelo contexto político da época. Segundo o pesquisador Bruno Baronetti durante a Ditadura Militar, o Estado vetava e boicotava músicas e discos considerados subversivos. Duas semanas após o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 27 de dezembro de 68, Gil foi preso e em 1969, partiu para o exílio em Londres. Fora do país, o artista baiano continuou denunciando o período turbulento que o nosso país atravessava e a música foi um instrumento para contestar a realidade.

Um episódio sem comprovação acontecido há 45 anos, fez até o baiano e lenda do rock brasileiro Raul Seixas ser "cancelado" em outubro de 2019. O termo "cancelar" circula diariamente nas redes sociais, pronto para invalidar artistas e pessoas públicas com posicionamento considerado moralmente errado. Raul foi acusado de entregar o seu amigo musical Paulo Coelho aos militares na década de 70. Mesmo morto há mais de 30 anos, Raul caiu no júri da internet e teve internautas dizendo “Meu deus, não acredito nisso, mas, cancela o Raul Seixas”, outro seguidor comentou “se o Raul Seixas fez isso tá morto pra mim, pelo jeito fez. Nunca mais ouço as músicas do Raul.” O legado de Raul Seixas no mundo da música é inigualável. Entre suas músicas destacam-se: “Maluco Beleza”, “Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás”, “Mosca na Sopa” e “Ouro de Tolo”. Raul Seixas faleceu em São Paulo, no dia 21 de agosto de 1989, com apenas 44 anos, vítima de pancreatite aguda.

As vezes o “cancelamento” não se dá por motivos polêmicos, foi o que aconteceu com percursora do Axé Music Sarajane. A cantora e pioneira do axé baiano fez sucesso no final da década de 80 com clássicos como “A roda”, “Merengue deboche” entre outros. Sarajane começou a cantar profissionalmente muito cedo, sendo descoberta nos anos 1980 pelo apresentador Abelardo Barbosa, o Chacrinha, que a viu cantar em um show na cidade de Nazaré das Farinhas, BA. Despontou nacionalmente em 1986, com o sucesso "A roda", que lhe rendeu naquela década uma série de participações nos programas de televisão, inclusive o "Cassino do Chacrinha", e o "Fantástico" (1987), na TV Globo, e nas rádios brasileiras. Em 1989, voltou a ocupar o topo das paradas com "Ela Sabe Mexer" em seguida, manteve-se nas paradas de sucesso, especialmente na região nordeste, com o hit "Vale”. Entre os vários prêmios, ganhou o de melhor cantora de trio elétrico nos anos de 88,89,90 e 91. Apesar de todo o sucesso, Sarajane foi esquecida pelo grande público, não conseguindo emplacar suas composições e sendo “cancelada” pelos patrocinadores do carnaval. A cantora utilizou as redes sociais para pedir ajuda a famosos como Ivete Sangalo, Carlinhos Brown e Luciano Huck - para voltar a se apresentar. Ela escreveu:"Tenho 30 anos de carreira e não tenho patrocínio para o carnaval. Quero cantar, voltar à ativa! Mandei algumas mensagens, mas ainda não tive respostas".

Claudinho e Buchecha formaram a dupla de funk melody mais famosa do país no final dos anos 90 -, antes de conquistar a fama, fazendo shows em todo o país e no exterior com sucessos como "Fico assim sem você". As vezes, o “cancelamento” ou a tentativa de fazer a gente desistir dos nossos sonhos não são causados necessariamente por alguém mau intencionado. As dificuldades da vida podem levar as pessoas a se “auto-cancelarem”. Esse não foi o caso da nossa dupla. Cláudio Rodrigues de Mattos, o Claudinho, foi peão de obra, office boy e vendedor ambulante em São Gonçalo (RJ), onde foi criado e conheceu Claucirlei Jovêncio de Souza, o Buchecha. De origem humilde, Claudinho largou os estudos, após completar o primeiro grau (atual fundamental), para trabalhar e ajudar em casa. Claudinho, que sempre gostou de cantar, convidou Buchecha para formarem uma dupla na comunidade gonçalense do Salgueiro, onde viviam desde pequenos.

Claudinho e Buchecha enfrentaram alguns problemas ao longo de suas trajetórias: foram acusados de quebra de contrato pelo ex-empresário, Pedro Jorge Coutinho, e a Justiça decretou busca e apreensão do CD da dupla. Enfrentaram ainda a fúria de traficantes do Salgueiro, chegando a ser ameaçados de morte, por não aceitarem se apresentar em bailes de favela oferecidos por bandidos; e chegaram a ser levados para a delegacia, acusados de estelionato, após desistirem de fazer um show.

No dia 13 de julho de 2002, após um show em Lorena, São Paulo, durante a turnê de divulgação do CD ''Vamos dançar'', Claudinho optou por voltar em seu carro, e não na van da produção, como sempre fazia. O veículo, dirigido por Ivan Manzieli, derrapou na pista escorregadia da Via Dutra e bateu numa árvore, na altura de Seropédica, matando o cantor na hora. Sua morte trágica, aos 26 anos, comoveu os fãs e deixou Buchecha arrasado, em estado de depressão. Um dos versos do megasucesso "Fico assim sem você", gravada depois por vários artistas, como Adriana Calcanhoto, eternizou a amizade e foi uma espécie de premonição: "Buchecha sem Claudinho, sou eu assim sem você".

Buchecha prosseguiu cantando. A filha Andressa, que aos 13 anos fez uma música para Claudinho, "Meu melhor amigo", tenta seguir o caminho do pai e adotou o nome artístico de Lia.

A mulher do fim do mundo e do planeta fome também foi vítima de comentários maldosos na internet, mas ao longo de sua trajetória ela também enfrentou vários “cancelamentos”. Nascida na comunidade da Vila Vintém – subúrbio do Rio de Janeiro, Elza Soares teve uma infância muito difícil e foi obrigada pelo pai a casar-se quando tinha apenas 12 anos. Elza trabalhou como encaixotadora em uma fábrica de sabão no Engenho de Dentro. Viúva os 21 anos, já era mãe de 5 filhos, além de ter perdido dois filhos. Elza ingressou na vida artística na década de 50 e na década de 60 foi representante do Brasil na Copa do Mundo do Chile. Foi nesse momento em que Elza conheceu o jogador Garrincha e durante muito tempo, a então recém-cantora foi cancelada pela opinião pública, acusada de ter sido a amante que deu fim ao matrimônio do jogador brasileiro. O atleta tornou-se alcoólatra e passou a agredir fisicamente Elza, que apesar de em uma ocasião ter chegado a ficar com dentes quebrados, não denunciou o caso. Dessa experiência de violência doméstica, muitos anos mais tarde, surgiu a canção Maria da Vila Matilde, onde a cantora afirma: "cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim". A cantora lançou outros sucessos como “A Carne” e “Mulher do Fim do Mundo”. Defensora das minorias, Elza foi julgada pelo tribunal da internet devido a seu cabelo durante a participação em um programa de TV. “O que foi que fizeram com o cabelo de Elza Soares, minha gente?", quis saber uma internauta, que foi prontamente respondida pela artista. "Menina, deu um trabalho. Também adorei. Meu cabelo é crespo. Um privilégio. Dá pra fazer tudo", respondeu Elza. Outro debochou, perguntando se Elza havia "levado um choque" por conta de seu penteado. "Nada, love. Tomo um choque todos os dias quando acordo e vejo a situação que nosso país, nosso povo está. O cabelo é vanguarda mesmo", respondeu a cantora.

Uma das maiores revelações da música sertaneja na última década, Marília Mendonça quebrou a internet com sua live-show que reuniu 3,2 milhões na plataforma do Youtube durante o isolamento social em virtude da pandemia. A cantora sertaneja nasceu em Cristianópolis, interior de Goiás e se consagrou como sensação do “feminejo” após o lançamento do single “Infiel”, ela também é dona dos singles “Alô Porteiro”,“Eu sei de cor”, “Amante não tem Lar” e “De Quem é a Culpa?” Mesmo marcando presença em um ambiente dominado pelos homens e abordando nas suas letras a perspectiva feminina, Marília Mendonça se viu numa situação delicada após um comentário em uma de suas live ter repercutido na internet. A cantora fez uma insinuação sobre o público de uma boate, frequentada pela comunidade LGBTQI+, o que levou a uma mobilização de “cancelamento virtual” da artista. Na tentativa de evitar o cancelamento a cantora se retratou declarando: “Pessoal, aceito que fui errada e que preciso melhorar. Mil perdões. De todo o coração. Aprenderei com meus erros. Não me justificarei”.

Como vimos em todos esses casos, a “cultura do cancelamento” tomou proporções gigantescas, se tornando pauta em grandes debates. No mundo da música muitos artistas sofreram com o linchamento virtual e outros mudaram suas ideias e se arrependeram de seus posicionamentos. A música interage com vários aspectos do nosso cotidiano e é através dela que a nossa sociedade elaboram seus conflitos, desenvolve habilidades e socializam-se. Nesses mais de 30 anos envolvidos diretamente na educação de nossos alunos, o Colégio Evolução desenvolve atividades pedagógicas que contribuem para integração social, cultural e artística de cada aluno. Atenta ao desafios que o atual momento nos impõem, abordamos nesse projeto Festival de Música 2020: Musicalidade que dá o tom à minha vida em consonância com a BNCC (p. 66-70) a necessidade de checar/verificar se algo aconteceu do que simplesmente acreditar que aconteceu. Levando em consideração sempre o uso qualificado e ético das tecnologias digitais de informação e comunicação para não reproduzir “a viralização de conteúdos/publicações fomenta fenômenos como o da pós-verdade, em que as opiniões importam mais do que os fatos em si”.

Diante de todas essas reflexões, pretendemos resgatar a sensibilidade de cada um de nós através da música, desenvolvendo o poder do senso crítico formando cidadãos com dignidade e respeito para o mundo em que vivemos.

A música venceu!

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